4.8.2 - Processos de fabricação calçados

A fabricação de calçados de PU é um processo simples, de alta produtividade, que utiliza intermediários líquidos, adequados à moldagem de formas complexas; permite perfeição de cópia, como imitação de cortiça madeira, couro, etc; possibilita injeção direta em cabedais, com extrema facilidade para variação de densidades; opera em baixas temperaturas e pressões, com menor custo e alta vida útil dos moldes; fácil de tingir, e possui versatilidade na adequação à moda, permitindo a produção de componentes flexíveis e/ou rígidos.

 

4.8.2.1 - Sistemas

Os PU's usados em calçados são normalmente fabricados a partir de sistemas de dois componentes líquidos, constituídos do: I) componente poliol, que é uma mistura de: polióis poliéster (Capítulo 1) (sistemas poliéster), ou poliéter (Capítulo 1) (sistemas poliéter); glicóis como extensores de cadeia (Capítulo ); água como agente de expansão (Capítulo 1); catalisadores (Capítulo 2); surfactantes (Capítulo 2); estabilizantes; pigmentos; etc (Capítulo 2); e II) componente prepolímero, com elevado teor de NCO livre, produto da reação do poliol com um diisocianato (MDI).Como nos demais PUs a quantidade de glicol utilizada como extensor de cadeia determina o teor de segmentos rígidos (Capítulo 1) e, por conseguinte, a dureza, enquanto o teor de água determina a densidade. A escolha do catalisador e surfactante de silicone é importante, para a manutenção de características intrínsecas como: fluidez, estrutura celular, estabilidade dimensional, qualidade da superfície e desmoldagem, particularmente nos solados de baixa densidade.

Os sistemas poliéster, utilizados em solados de sapatos (Tabela 4.15), são geralmente fabricados com poliadipatos, lineares (difuncionais), ou ligeiramente ramificados, produzidos com ácido adípico e glicóis [mono etileno glicol (MEG), di etileno glicol (DEG), 1,4-butano diol (BD), trimetilol propano (TMP), sozinhos ou misturados]. Estes polióis poliéster são pastosos à temperatura ambiente e se liquefazem em temperaturas superiores a 30ºC. Além do poliol poliésterer, o componente poliol contém: glicóis como etileno glicol usados como extensores de cadeia; água como agente de expansão; catalisadores como DABCO (diazobiciclo-octano) dissolvido em 33,3% em etileno glicol ou 1,3-propano diol ou 25% em 1,4-butanodiol; silicones como emulsificantes, e pigmentos. Como os polióis poliésteres podem sofrer transesterificação, sua estabilidade durante a estocagem é limitada. Durante o processamento, o componente poliol é misturado com o componente prepolímero com alto teor de NCO livre fabricado com MDI puro e o poliol poliéster. Uma formulação de um solado de PU, produzido com poliol poliéster, com densidade de cerca de 350 kg/m3, é mostrada na Tabela 4.15.

Tabela 4.15 - Sistema de solados de PU a base de poliol poliéster

Componente Poliol

Partes por cem (em peso)

Poliol poliéster (poliadipato de DEG e MEG) (OH = 56 mg de KOH/g)

100

Etileno glicol (MEG)

7,0

Água

1,0

Catalisador amina (33% de Dabco em 67% de MEG)

1,0

Surfactante de silicone

0,3

Componente Prepolímero

Prepolímero de poliol poliéster/MDI (teor de NCO = 20%)

92

Índice = 100

Sistemas a base de polióis poliéteres (Tabela 4.16) normalmente empregam PPGs reativos (Capítulo 1) sendo utilizados na fabricação de solados e principalmente de entressolas. Os sistemas poliéter são menos viscosos e apresentam melhores características de processabilidade, quando comparados com os sistemas poliéster que são mais viscosos.

Tabela 4.16 - Sistemas a base de poliol poliéter
 
Solado
Entressolas
Componente poliol
Média densidade*
Baixa densidade**
Poliol poliéter (PM 3000)
100
100
100
Etileno glicol (MEG)
12
14
13,5
Água
0,6
0,9
1,6
Catalisador (TEDA)
1,5
1,6
1,5
Silicone
0,5
0,5
0,7
Estabilizador UV
1,0
1,0
1,0
Pigmentos
2,2
1,8
1,8
Componente prepolímero
MDI puro
59
100
100
Dipropileno glicol (DPG)
7
-
-
Poliol poliéter (PM 3000)
-
58
58
Relação prepolímero:poliol
0,56
1,15
0,90
* média densidade = 400 kg/m3 - ** baixa densidade = 260kg/m3

 

4.8.2.2 - Descrição do processo

Na fabricação de calçados, os componentes dos sistemas são usualmente dosados e misturados em equipamentos, que operam em baixas pressões (Capítulo 4.2), podendo ser vertidos em moldes abertos, ou injetados em moldes fechados. A moldagem em moldes abertos é usada principalmente para produção de solados unitários, que são posteriormente afixados à parte superior do calçado, com um adesivo de PU. Este processo é também recomendado para a produção de calçados de formatos complexos. As máquinas injetoras normalmente são do tipo carrossel e permitem a moldagem de solados de uma ou duas densidades (Figura 4.16). Pressões relativamente baixas são normalmente utilizadas, tanto na fabricação de solados unitários, como na injeção direta. Moldes de alumínio fundido ou usinado são normalmente utilizados em grandes produções. Para protótipos ou pequenas produções de solados unitários é possível usar resina epóxi carregada com metal ou resina epóxi pulverizada com metal. Como os sistemas reativos de PU são excelentes adesivos, é necessária a aplicação de desmoldante. Existem diversos tipos, porém os mais usados são os a base de mistura de silicones dispersos da forma usual, a baixa concentração em solventes orgânicos como metil-etil-cetona e tricloroetano.

1) moldagem em molde aberto; 2) máquina injetora do tipo carrossel para solado bi-densidade.
Figura 4.16 – Esquema de equipamento para moldagem solados em molde aberto

Na moldagem por injeção direta, o solado é unido ao calçado em uma única etapa. Neste caso, como o sistema é curado no molde, ocorre formação de uma adesão forte com a parte superior do calçado (Figura 4.17), devido à formação de ligações químicas entre os grupos isocianato e átomos de hidrogênio ativo do substrato do cabedal.

1) injeção da parte externa do solado; 2) a base é movida para cima para vedar o canal de entrada após a injeção, e o molde então se abre; 3) a parte superior do calçado é então introduzida no molde; 4) injeção da parte intermediária do solado, ligando a parte externa à parte superior.
Figura 4.17 – Moldagem direta de solados de densidade dupla

 

4.8.2.3 - Efeito das condições de processo

Como em todos PU's, as propriedades físicas de solados e entressolas variam com o teor de segmentos rígidos (Capítulo 1), que depende da quantidade utilizada de extensor de cadeia (Tabela 4.17). Com o aumento do teor de segmentos rígidos ocorre aumento na dureza da pele, resistência à compressão (dureza da peça), rasgo e tensão de ruptura, e diminuição da resiliência. Quando se aumenta o índice de NCO utilizado ocorre aumento da dureza da pele e diminuição da resiliência do material.

Tabela 4.17 – Variação das propriedades de entressolas com o teor de segmentos rígidos

Propriedades Físicas

Baixa dureza

Média dureza

Alta dureza

Densidade (kg/m3)

320

320

320

Teor de segmentos rígidos (%)*

35

38

41

Dureza da pele (Asher C) (230C, 50% UR)

53

58

64

Resistência à compressão (KPa)

205

245

300

Tensão de ruptura (MPa)

3,0

3,2

3,5

Resistência ao rasgo (kN/m)

2,8

3,0

3,4

Resiliência (%) (230C, 50% UR)

36

32

28

Perda por histerese (%)

21

26

31

* Teor de segmentos rígidos = [(massa de extensor + massa de isocianato) x 100] / (massa total)

Da mesma forma que nos demais PU's moldados, as propriedades finais da peça podem variar de acordo com as condições de operação, e, portanto, a repetibilidade depende do controle do processo. A dureza da pele diminui com o aumento da temperatura do molde (Figura 4.18). Normalmente, a temperatura recomendada para o molde é 50-55oC, porém temperaturas de 70oC podem ser encontradas por diversas razões, incluindo condições climáticas, ou necessidade de temperaturas elevadas para a evaporação de desmoldante à base d'água. A elevação da temperatura do molde acarreta a diminuição da dureza da pele, pela formação de pele mais fina e alteração da morfologia do PU.

 

 

alta dureza
média dureza 

baixa dureza

Figura 4.18 – Dureza da pele versus temperatura do molde

Com o aumento da temperatura do molde, ocorre a diminuição da dureza acompanhada pela diminuição da densidade da pele (Figura 4.16). Todavia, a densidade média e a resistência à compressão (dureza da peça moldada) não variam com a temperatura do molde. Isto mostra que em temperaturas mais altas, ocorre a diminuição da concentração de material na parede do molde, alterando o perfil de densidade da peça, favorecendo a formação de pele mais fina e um coração mais denso (Figuras 4.19 e 4.20).

___  densidade da pele;


----- densidade média da peça

Figura 4.19 – Densidade moldada e da pele com temperatura do molde

 


alta dureza       


 média dureza

baixa dureza
Figura 4.20 – Dureza compressiva a 50% versus temperatura do molde

 

4.9 - Outros PU’s moldados microcelulares e sólidos