7.3.4 - Dispersões aquosas de PU (PUDs)

As dispersões aquosas de PU (PUD's) foram introduzidas no mercado no final dos anos 1960 devido aos aspectos ambientais relacionados à redução do uso de solventes orgânicos. Todavia, têm alcançando importância comercial e consumo crescente, devido às propriedades que se aproximam e em alguns casos superam às dos sistemas de dois componentes reativos a base de solvente (2K-PUR).As PUD's são empregadas em revestimentos têxteis, acabamento de couro, adesivos, revestimentos de pisos, acabamento de fibra de vidro, revestimentos para madeira, borracha e folhas, acabamento de máquinas de escritório e peças de plástico, e como "primer" para metais.

 

7.3.4.1 - PUDs de um componente (1K-PUD)

As 1K-PUD's são constituídas de poliuretano/uréias lineares, de alto peso molecular, dispersos em água, tendo como vantagem não utilização de solventes e, conseqüente diminuição de custos e toxidade. Para formar dispersões estáveis em água, os PU's necessitam serem modificados pela incorporação de grupos polares (PU ionomérico), que atuam como emulsificantes internos. Grupos aniônicos (carboxilatos ou sulfonatos), catiônicos e não iônicos podem ser utilizados (Figura 7.13). As PUD's não iônicas são preparadas pela introdução no PU de segmentos hidrofílicos de poliéter [poli(óxido de etileno)] monofuncional de peso molecular médio. Combinações iônicas e não iônicas são empregadas, todavia a maioria das PUD's é preparada com grupos carboxila, utilizando o ácido dimetilolpropiônico (DMPA), ou o ácido dimetilolbutanóico (DMBA) que possuem estrutura adequada para esta aplicação. O DMPA e o DMBA são sólidos e possuem hidroxilas primárias que podem ser incorporadas ao PU, e um grupo carboxila ligado a um carbono terciário estericamente impedido, que minimiza a sua reatividade com o isocianato. O DMBA é menos polar e tem melhor solubilidade em solventes menos polares (15% em acetona a 20°C).

a) Ionômero catiônico de PU

 

b) Ionômero aniônico de PU

c) PU hidrofílico não iônico

Figura 7.13 - PU modificado para dispersões aquosas

A resistência a solventes e água dos filmes é similar as de sistemas 2K-PUR (Tabela 7.7), e é obtida pela formação de ligações cruzadas. Reticuladores típicos são: poliisocianatos hidrofílicos; compostos aziridínicos polifuncionais; resinas epóxi, carbodiimidas e materiais melamínicos. A carboxila dos ionômeros aniônicos pode formar ligações cruzadas com aziridinas polifuncionais, e resinas melamina alcoxilada/formaldeido formam ligações cruzadas através da reação da melamina metoxilada com os grupos uréia ou uretano. Outra forma, é a formação de ligações cruzadas com poliisocianatos bloqueados dispersos em água, que são desbloqueados pela elevação da temperatura. Porém. o processo mais usual, consiste em pouco antes da aplicação adicionar prepolímeros ou poliisocianatos modificados pouco reativos, que irão posteriormente reticular o filme.

Tabela 7.7 - Propriedades dos revestimentos de PU

Propriedades (a)

Dispersão aquosa linear

Dispersão aquosa com ligações cruzadas

Revestimento flexível de dois componentes

Dureza ao pêndulo (s)

30

115

180

Impacto reverso (N.m)

18,1

18,1

18,1

Módulo a 100% (MPa)

1,4

35,8

20,7

Tensão de ruptura (MPa)

20,7

45,5

32,4

Alongamento (%)

700

170

110

Volume inchado (%) (b)

Água

15

0

0

2-propanol

52

95

35

2-butanona

640

146

95

Acetato de 2-etoxietila

392

95

73

Xileno

310

73

73

1,1,1-tricloro etano

700

120

95

(a) Após secagem por 2 semanas à temperatura ambiente; (b) Após 24 h de imersão.

Fabricação - Os processos para a preparação das 1K-PUD's envolvem a preparação inicial de um prepolímero terminado em NCO (Figura 7.14), normalmente utilizando IPDI (processo prepolímero) ou TDI (processo em solução). Na etapa (1) é formado o prepolímero pela reação do poliol e o DMPA (ou DMBA) com o isocianato, na presença de dibutil dilaurato de estanho como catalisador, e 1-metil 2-pirolidona ou outro solvente para baixar a viscosidade e dissolver o DMPA ou o DMBA, que são sólidos. Prepolímeros produzidos com isocianato terciário como o meta-tetrametilxileno diisocianato (TMXDI) (Capítulo 1), possuem viscosidade muito baixa e dispensam o uso de solventes. Na etapa (2) é feita a neutralização dos grupos carboxílicos com aminas terciárias, como a trietilamina.

(1)

(2)

(3)

(4)

Figura 7.14 – Etapas da fabricação da PUD aniônica

A diferença mais significativa entre os dois processos diz respeito à etapa (3) de dispersão e extensão da cadeia feita com diaminas alifáticas, como etileno diamina, hidrazina, etc, formando o poli(uretano/uréia) de alto peso molecular (4). Quando se utiliza isocianato alifático pouco reativo a dispersão e extensão podem ser feitas em água a frio. Todavia, quando se utiliza isocianato aromático mais reativo, a extensão deve ser feita em solvente volátil como acetona, seguida da dispersão em água, e evaporação do solvente Os prepolímeros, fabricados com o isocianato terciário TMXDI, possuem reatividade muito baixa com a água, mesmo a 40°C, permitindo a extensão de cadeia com diaminas alifáticas, com um mínimo de hidrólise, o que diminui a necessidade de uso de excesso de isocianato. Todavia, o impedimento estérico reduz a formação de ligações hidrogênio entre os segmentos rígidos do PU, o que pode ser compensado com o uso de polióis trifuncionais na preparação do prepolímero, para formação de ligações cruzadas covalentes e obtenção de propriedades adequadas.

No processo utilizando isocianato alifático como o IPDI as vantagens são: a obtenção de filmes claros com manutenção de cor; o uso de pouco ou nenhum solvente, o que diminui o custo produção; e utilização de extensores de cadeia de maior funcionalidade, resultando em maior resistência a solventes. As desvantagens incluem: maior custo do isocianato; e ser restrito aos prepolímeros de baixa viscosidade e maior teor de NCO livre, o que dificulta a obtenção de filmes de baixa dureza. No processo em solução utilizando TDI, as vantagens são: a utilização de prepolímeros com alta viscosidade e baixo teor de NCO livre, que formam filmes com baixo módulo e dureza, com excelente maleabilidade para revestimentos têxteis; o menor custo do TDI; e a extensão de cadeia mais homogênea com as aminas alifáticas. As desvantagens são: o uso de solvente com menor utilização do reator, e a sua remoção que acarreta aumento do custo; e ser limitado aos poliuretano/uréias lineares, pois não é possível estender a cadeia com amina alifática de maior funcionalidade, para promover a resistência a solventes.

 

7.3.4.1.1 - PUDs / resinas acrílicas (PUD-ACR)

As PUDs podem ser formuladas junto com dispersões acrílicas para modificação das propriedades do filme e diminuição de custos. Outra forma (Figura 7.15), consiste em reagir (1) um acrilato de hidroxialquila, como o acrilato de hidroxietila ou hidroxibutila, com um prepolímero aniônico feito com: isocianato cicloalifático como o IPDI; poliol como poliadipato de 1,4-butano diol, carbonato de hexano diol, PTMEG, etc; e o DMPA, na presença de 1-metil 2-pirolidona, como solvente. Desta maneira, obtêm-se um prepolímero uretânico ionomérico insaturado (2), que é neutralizado com trietilamina e disperso em água. A seguir, é procede-se à reação com monômeros acrílicos, resultando numa dispersão aquosa de um copolímero formado por blocos de PU e do poliacrilato (PUD-ACR).

(1)

(2)

Figura 7.15 – Etapas da fabricação da PUD-ACR

 

7.3.4.2 - PUDs de dois componentes (2K-PUD)

Os sistemas a base de dispersões aquosas de dois componentes reativos (2K-PUD) são utilizados no setor automotivo no revestimento de partes metálicas e plásticas, devido à baixa temperatura de aplicação, baixo VOC, e propriedades comparáveis as dos sistemas reativos base solvente. O ponto crucial na tecnologia de 2K-PUR base água é a mistura dos dois componentes no meio aquoso. Melhores propriedades do filme, como aparência (maior brilho e menor turvação) e alta resistência química só são obtidas se o poliol e o poliisocianato forem dispersos homogeneamente na água.

Atualmente os sistemas 2K-PUR são produzidos com os poliacrilatos ou os polióis poliéster que podem ser dispersos em água. Para promover a dispersão do poliisocianato (normalmente o isocianurato de HDI), nos polióis solúveis em água, eles devem ser hidrofílicos o suficiente, ou pode-se empregar solvente ou um poliisocianato de menor viscosidade. Todavia, quando a mistura for difícil, aconselha-se o uso de poliisocianatos modificados hidrofílicos (Capítulo 1), que aumenta a compatibilidade do filme de PU com água. Muitas das PUD's ainda contêm um teor de solvente da ordem de 10%, que contribuem para aumento do VOC. As PUD's são normalmente curadas na temperatura ambiente, porém o uso de temperaturas da ordem de 80oC pode aumentar a velocidade. Para obtenção de uma película é essencial que ocorra a reação entre o poliol e o polisocianato formando o poliuretano, todavia é inevitável a reação do isocianato com a água formando poliuréia. Para compensar esta reação utiliza-se um excesso de isocianato (índice de 120 a 300). O gás carbônico formado não é problema na formação de filmes delgados, mas pode ocorrer a formação de bolhas ou micro espuma em películas espessas.

 

1) Poliisocianato hidrofóbico misturado manualmente

2) Poliisocianato hidrofóbico misturado mecanicamente ou poliisocianato hidrofílico misturado manualmente.

Figura 7.16 – Dispersões aquosas de dois componentes

 

Tabela 7.8 - Propriedades dos revestimentos 2K-PUR

Propriedades

Base Solvente

Alto Teor de Sólidos

Base Água

Teor de sólidos (%)

45

65

42

Co-solvente (%)

55

35

< 10

Tempo de processamento (h)

6

1,5

3

Brilho 20°

90

90

86

Secagem (h) T1 (T3)

# 1 (# 7)

1,5 (7)

1,5 (>7)

Filme seco sem bolha (Fm)

> 100

> 100

# 80

Resistência a solvente

7 d à temperatura ambiente

1

3

1

7 d à temperatura ambiente + 16 h 50°C

0

1

1

Resistência à água (7 d temperatura ambiente)

0

3

1

Dureza do pêndulo (s) (7 d temperatura ambiente)

170

120

170

Envelhecimento

12 meses na Flórida - Brilho 20°antes / depois

88/88

89/80

86/78

1000 h QUV (313nm) - Brilho 20° antes / depois

88/88

89/76

86/78

Os revestimentos aquosos de PU de um e de dois componentes são difíceis de serem produzidos totalmente sem solvente, que é necessário para facilitar a dispersão, devido à alta viscosidade dos prepolímeros. Além disso, nos sistemas de dois componentes reativos a reação do isocianato com a água, resulta no uso de maiores relações NCO/OH, e formação de gás carbônico que pode causar defeitos no filme. Prepolímeros feitos com isocianato terciário, como o meta-tetrametilxileno diisocianato (TMXDI) (Capítulo 1), possuem baixa viscosidade por causa do impedimento estérico do NCO terciário que impede a formação de ligações cruzadas alofanato, além de baixa reatividade com a água mesmo a 40°C, permitindo a extensão de cadeia com um mínimo de hidrólise. Desta forma, dispersões aquosas de 2K-PUR podem ser formuladas, com polióis acrílicos a base de copolímeros de MMA/BA/HEA/AA, MMA/BA/HBA/AA, ou MMA/BA/HEA/AA/ST (Capítulo 1) e um aduto de TMXDI com trimetilol propano (TMP), com 10% de NCO livre, 74% de sólidos em acetato de butila, e viscosidade entre 3.000-6.000 mPas, misturadas e dispersadas manualmente em água. O tamanho de partícula destas dispersões tem efeito na performance, aparência e tempo de secagem do revestimento, e depende do balanço hidrofílico / hidrofóbico entre o poliol acrílico e o poliisocianato.

7.3.5 - Revestimentos por “RIM-spray”